segunda-feira, 7 de março de 2011

Correr atrás do sonho

“Última chamada para o vôo 765, com destino a Moscou.” Ele quase perdia o vôo. Dentro do avião, começou a lembrar da conversa que tinha tido com seus pais na noite anterior.
- Mãe. Pai. Preciso conversar com vocês.
- O que foi meu filho?
- Pai, se lembra de quando eu tinha 7 anos? Que o senhor me perguntou o que eu queria ser quando crescer? Eu respondi que queria ser bailarino. O senhor quase bateu em mim. Disse que balé era coisa de menina e que não dava futuro a ninguém. Naquela noite, quase não dormia. Fiquei com muita raiva, mas nunca desisti do meu sonho.
- Lembro sim meu filho. Mas, aonde você quer chegar?
- Depois desse dia, tive que ir morar com a vovó. Para estudar em um colégio maior, na cidade grande. Acabei conhecendo gente nova. Eles tinham idéias modernas. Acabei fazendo balé escondido. Lembra de alguns finais de semana que eu não vinha visitar vocês? Pois bem, eu dizia que estava estudando para as provas, mas estava ensaiando.
- Meu filho, por que você nunca nos contou isso?
- Calma mãe, tem mais. O tempo foi passando e eu tive de escolher o curso que iria fazer. O sonho de vocês era que eu fizesse medicina, mas eu nunca tive vocação para isso. Então acabei prestando dois vestibulares: um para medicina, outro para artes cênicas. Estudei muito para fazer medicina, só para vocês deixarem eu ficar um pouco mais na cidade. Por sorte, acabei passando nos dois vestibulares. Fiz parecer que eu estava cursando medicina: fiz minha matrícula, comprei minha bata e trazia alguns livros da biblioteca só para fingir. Na verdade, nunca nem apareci naquela universidade.
- Então você e sua avó nos enganaram esse tempo todo?
- Não culpe a vovó por isso. Eu implorei muito para ela ser minha cúmplice. Ela só concordou porque me fez prometer que, independente do que eu escolhesse ser, eu teria que ser o melhor naquilo. Então me esforcei ao máximo. Sempre era o melhor da turma. Sempre era o bailarino solista. Até que em uma das minhas apresentações, um olheiro do Ballet Bolshoi de Moscou estava assistindo minha apresentação e gostou muito de mim. Me convidou para trabalhar lá, com contrato assinado e um bom salário.
- Que notícia maravilhosa, Carlinhos! Mas você vai deixar sua velha mãe aqui no Brasil, sozinha?
- Mãe. Nem você nem o Pai me apoiaram nessa decisão. Pelo contrário, sempre acharam que eu era uma pessoa diferente. O filho dos sonhos. Não fui. Nunca fiz o que vocês queriam que eu fizesse, mas sempre deixava parecer o contrário. Agora, eu estou avisando, que aos meus 22 anos, estou indo morar em Moscou, sendo o que eu sempre quis ser na vida. Sendo o que meu pai chamou de “sem futuro”.
- Me desculpe, Carlos. Me arrependo muito do que eu te disse naquele dia.
- Pai, o senhor já pensou se eu tivesse desistido? O que seria de mim agora? Talvez fosse um médico frustrado! Só estou comunicando a vocês que meu vôo sai essa madrugada. Mando notícias assim que chegar lá. Adeus.
                Depois disso, pegou suas malas e partiu. Deixou sua mãe chorando na porta de casa e prometeu a ela que mandaria lembranças. Mas não conseguiu nem sequer olhar para a cara do pai.
                Agora está dentro de um avião, prestes a voar para onde sempre quis. Apesar de todas as barreiras, escondendo a verdade de seus pais. E isso tudo, para realizar apenas um sonho. Agora ele seguirá sua vida, e assim, deixar para trás aquele antigo Carlos, dando início a uma nova vida que lhe aguarda.